Escritos de Rafael Perfeito

sábado, 24 de março de 2012

É melhor não...


Saí da portaria de meu prédio de shortinho de corrida, sem camisa, texto do mestrado embaixo do braço, sunga e bronzeador nas mãos, quando escuto:
- Com licença!
- Opa!
- Eu sou a Sister Junko e essa a Sister da Silva, o senhor mora aqui?
- Eu moro aqui, já o Senhor eu não faço ideia!
- Hahaha! Mas nós sabemos onde, nós sabemos onde! No nosso templo! Gostaríamos de conversar um pouco com o senhor e depois vamos fazer uma oração. Você tem um tempinho?
- Olha, é melhor não... eu tava indo ao clube e preciso ler esse texto.
- Será muito rápido!
- É melhor não...
- Se o senhor quiser, podemos agendar uma visita para outro dia!
- Agendar? Hmmm.... vamos logo com isso! Façamos o seguinte: sentemos ali?


Caminhamos para um confortável banquinho circundado de pequenos e simpáticos arbustos. Sister Junko, de origem japonesa, sentou-se ao meu lado, uma mãozinha depositada sobre a outra, em cima das pernas delicadamente cruzadas. Muito santa, muito correta... muito bonita. Sister da Silva, negra, insegura, muda e olhando pro chão.


- Vocês são mórmons, né?
- As pessoas nos chamam assim. Mas preferimos nos chamar de membros da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos dias.
- Ah...
- O senhor tem religião?
- Duvido que Ele tenha.
- Hã?
- Não, não... sou agnóstico.
- O senhor sabia que Jesus foi enviado por Deus e que ele sofreu muito para expiar nossos pecados?
- Jesus... Jesus...
- Jesus!! O senhor não sabe quem é Jesus????? É este aqui, ó, na capa de nosso livro.
- Não, não... a senhorita deve estar enganada, esse aí não é Jesus Cristo. Não pode ser Jesus Cristo.
- Ora, mas como não!
- Não... Jesus Cristo, minha querida, era negão. (Sister da Silva tira os olhos do chão).
- Mas como???
- É... não era assim um Mussum, mas tava longe de ter esse cabelinho dourado e esses olhos de Frank Sinatra aí.
- O senhor está enganado! Olha ele aqui na cruz, onde foi pregado para salvar voc...
- Essa túnica! Essa túnica, por exemplo, onde ele tá enrolado, o colobium. Isso aí só apareceu no século VI depois Dele. Antes do século VI, Jesus aparecia peladão na cruz, com o pinto balangando e tudo. (Sister da Silva cobre o rosto).
- Oh! Mas o nosso senhor Jesus Cristo era puro!
- Era, era sim. As pessoas que olhavam para a sua imagem é que não eram! Sabe, naquela região os homens são conhecidos pelo taman... ah, deixa pra lá. 
- ...
Fato é que a Igreja ficou com medo e tampou o dito cujo, depois pintaram o cabelo do rapaz e enfiaram uma lente de contato nos olhos dele. (Sister da Silva arregala os olhos para os céus)
- Aqui está o nosso endereço, caso o senhor queira buscar mais conhecimento e um rumo para a sua vida. Obrigada pela oportunidade de disseminar a palavra do nosso Senhor. Adeus.

Sister Junko fez menção de levantar-se, Sister da Silva nem sabia mais onde estava. Segurei a mão da irmã japonesa:


- Mas nós não íamos fazer uma oração?
Sentando-se, a discípula da Igreja do nosso Senhor Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias espalmou as mãos e fechou os olhinhos:
- O Sacerdócio A....
- Eu fico imaginando... já pensou se Cristo, sem o paninho, começasse a ser adorado pelas mulheres como uma espécie de deus da fertilidade, um Príapo dos novos tempos?
- Príapo? - Sister da Silva saiu de seu silêncio, olhando-me nos olhos.
- É, um deus grego que vivia de pau duro.


Sister Janko já corria em direção à W3. Sister da Silva ia atrás, com um sorrisinho no canto da boca, posso até jurar! Peguei meu bronzeador e disse:
- Eu avisei que era melhor não...


Príapo, de Poussin. 
http://selavy.wordpress.com/2009/03/30/1203/ Informações sobre o quadro

domingo, 18 de março de 2012

A Dama de Ferro


Tudo acabou no dia em que fomos assistir Margaret Thatcher no cinema:

_Eu tenho de ser tratada como uma rainha! Igual no filme, ouviu??? COMO UMA RAINHA!

Foi isso que ouvi da boca dela, aos berros, quando levantei a voz, ante os constantes absurdos aos quais vinha sendo submetido.
E a frase veio com expressão de Dama de Ferro, quiçá do alto do trono, a olhar com ojeriza para a plebe ignara.

Ora... uma rainha busca súditos, não um amante. Busca servidão, não companheirismo. Na-na-ni-na-não!!!

Meses mais tarde, arrependida, me ofereceu o trono mais alto da família. Quis inverter a situação. Veio beijar a minha mão, como a demonstrar que eu também possuía sangue azul. Não adiantou.

Ela não sacou que, no amor, eu sou comunista.
E ela nem era a rainha! Só primeira ministra! 



sábado, 17 de março de 2012

Narcóbito Hático



Dizem ser o hábito o narcótico da imaginação.
Por isso tenho o hábito de utilizar narcóticos.
Narcotizado, esqueço que o hábito é hábito.
Desabituado...
crio de montão!